Quero ficar offline com você

 Quero ficar offline com você

Nem quinze segundos, nem trinta, nem um minuto, nem uma hora de live poderiam ser curtidas e compartilhadas se não sinto sua respiração.

Quero ficar offline com você
Na luz mais bonita que entra pela janela e clareia seus dentes abertos sobre meus olhos visualizando a história do seu dia
na paleta de cores em contraste e saturação baixa da sua cama bagunçada.

Quero ficar offline com você
Na plataforma mais viralizada de idéias cotidianas em comum e complexas do último lançamento de beijos demorados e úmidos.

Quero ficar offline com você
No melhor horário que posto o comentário extenso do seu abraço de temperatura elevada e textura minimalista de pele.

Quero ficar offline com você
E em silêncio, registrando espaço de respiro, sem pressa pra próxima postagem.

Quero ficar offline com você
E escrever um conteúdo que reverbere na sua rede por dias e influencie todos a sua volta porque irão perceber o quanto esse encontro te fez lembrar que é bom ir e voltar no boomerang de si mesmo.

Quero ficar offline com você
Pra lembrar também quem sou e quem posso ser em planos, profundidades, falhas e olheiras. Sem edição e sem maquiagem.

Quero ficar offline com você
Porque preciso sentir cheiro e sabor, só enchergo com todos os sentidos inscritos e salvos no canal.

Quero ficar offline com você
Porque não irei pagar a propaganda e o anúncio da felicidade que não revela sua fragmentação, por natureza, também perigosa e infeliz.

Quero ficar offline
E mergulhar na sua comunicação sem cabo e sem fios, sem wifi, sem dispositivos e sem contas do pacote que excedeu a exploração.

Quero ficar offline e fazer poesia no escuro, comer sua poesia no escuro, me entreter, cancelar plano, cobertura.

O único filtro que desejo usar é o do café quente.

outubro,2020

OAIANA

REVERÊNCIA

Hey senhoras e senhores encantados da mata
Crianças que bricam descalças
Toda licença, abuelitas
Venho trazendo um corpo molhado aprendiz
Posso entrar?
Ainda tenho carne e osso
Mas sei que logo serei galho, raiz e broto
Hey grande mãe
Como poderei lhe presentear sendo alimento?
Abundante de amor infinito...
Acordei confiando em ti, grande espírito
Ofereço a verdade mais profunda do meu movimento
Me reverencio para te reverenciar
Hey grande mãe
.
.
17/setembro/2020
OAIANA

Solo Coletivo

Quantas palavras são ditas em vão quando o que mais queremos dizer é: 

Segura minha mão.

Que eu me afogue na minha própria água então, transparente.

Não tenho tempo para capitalizar meus afetos.
Presente é presença desinteressada.
Eu não tenho tempo para o convencimento da minha dor. 

Minha alegria não está à venda.

Só quem goza comigo entende o grito silenciado de tantos corpos que me habitam.

Não há tempo, não há mais tempo para o mercado individualista do prazer.

Me encontro em solo coletivo porque sou o que somos. Essa é minha cura, essa é minha roda.
Nossa roda.

setembro,2020 

OAIANA

PROSA

prosa
substantivo feminino
intervalo
da poesia
que sangra
o céu azul
sem ritmos
regulares
sem metrificação
expressão natural
da linguagem

flutua dor

 

2018

OAIANA

Oração a morte

morte
aquece meu coração
faz lembrar que sou sua
inteira, profunda, misteriosa
sagrada, transmuta minha ação
antes que seja tarde demais
que minha intensidade n seja
apenas imaturidade
que meu egoismo
seja tbm amor-próprio
que meu cuidado
n seja só medo
que minha lucidez
n seja enlouquecedora
que minha voz seja ativa
na verdade que carrego no peito
que meu silêncio
seja tbm conforto
morte que se revela
calvagando frente aos meus olhos
n seja revolta apenas revolta
e ausência criminosa
me lembra que vc existe
e n é ponto final
morte, que floresça a vida
em cada segundo que respirar
lhe respeito, lhe honro
morte
vida

 

6/abril/2020

 OAIANA

Onde mora seu tesão?

no encontro, como se sente desejado?
revela-se o medo?
seu sexo frágil?
ou muda e manipula?
se derrama?
foge de si?
dá pro outro doses homeopáticas de entregas confortáveis?
inventa poesia?
repete canções?
pronomes de tratamento do chão já pisado?
se afasta?
fingi que não vê?
evita?
e na posição?
domina? joga?
provoca pra ver?
onde mora seu tesão?
geme sem ser bonito?
se permite ser ouvido?
na falta que causa,
no frio na barriga,
seu desejo é revelar-se?
seu silêncio é isolamento,
individualidade, amor-próprio
ou egoísmo?
seu tesão é egoista?
olha nos olhos e se vê?
brinca consigo e prepara noite de núpcias sem pressa?
massageia seus próprios pés?
se olha no espelho da própria alma?
se alivia no outro ou celebra estar junto?
pede ajuda com sua sombra
ou prefere o mistério da proteção?
e o seu tesão por você,
tá em dia?

abril, 2020

OAIANA

DESEJO

Desejo a mim e a todas as pessoas, que se apaixonem cada dia mais por si mesmas.

Que lembrem sempre da sua beleza, da sua luz e que se um dia escolherem compartilhar esse apaixonamento com alguém,  que esse alguém te ajude a lembrar da importância da sua beleza e da sua luz mais ainda.
Desejo a mim e a todas as pessoas, que lembrem-se que existe no mundo pessoas incríveis e uma delas é você.
Desejo a mim e a todas as pessoas, que assumam suas fragilidades e carências, primeiramente pra si, para então se responsabilizar em acolhê-las e trabalha-las de acordo com o que faz sentido no seu íntimo.
Desejo a mim e a todas as pessoas, que mesmo encontrando um toque acolhedor e transparente nos braços de outra pessoa, não esqueça que os encontros servem para nos nutrir e não para nos aliviar sexualmente.
O encontro serve para celebrar a existência de si mesma.
É o que eu desejo. 

 

12/julho/2020

OAIANA

Paladar

Como pode você querer me comer

Se tem medo do próprio gosto?

Como pode você querer me comer

Se tem medo medo de sentir seu próprio gozo?

Como pode você querer me comer

Se num simples e profundo olhar

se sente desossado

Quem come precisa engolir

Abrir o paladar de si mesmo pelos poros

Ser devorado é tarefa de leveza e não de fulga

Quem tem medo não come

Tão pouco sabe usar a boca

 

07/setembro/2020

OAIANA

Colheita

Quem disse que meu amor também não é furia organizada se enganou

Meu amor sangra as minhas vestes

Meu amor constrói nações

Meu amor pisa descalço na terra e sente o cheiro da semente germinando

Meu amor sabe a hora da colheita

Meu amor grita rebeldia e deseja boca que também sabe gritar

Meu amor escolhe seus silêncios e não pode ser silenciado

Queimo

Me rendo a minha própria violência costurada de quilômetros de umbigo

Quem sabe de onde vem, sempre está atenta a sua colmeia

Ainda que pareça apenas doce

Carrego ferrão e aprendo a usar

04/julho/2020

OAIANA