segunda-feira, 26 de março de 2018

Recife

a luz da cidade é também
os becos lamacentos
o saneamento que deveria ser básico
o mangue que resiste
o dinheiro que não chega
os prédios que tentam engolir o mar 
os que moram em bolhas brancas
tambores silenciosos mandam recado
maracatus lembram a historia que não nos contam
vibram os caboclinhos
carijós tupinambás
baque solto baque virado
macumba de verdade
quilombos de cores
nossos orixás

Taila

Taila de olhos abertos, doces, honestos
Sua voz, seu protesto
Seu corpo desparafusa o que nunca teve nexo
Deslumbra as curvas dos caminhos abertos
Mulher luta na mesma dança
Herança
De quem é protegida pelos que tem sede de vingança
Vingança é malandragem
E malandragem é estar viva
Sem enlouquecer no cotidiano
Desfaz engano, vira puro acalanto
Mergulho no fundo oceano
Das águas que te lavam
E te devolvem pra si mesma

Sujeito ainda oculto

Cuidado:
Tá pra nascer ômi que vai me colocar contra uma mulher 
Por conta do seu ego frágil
Cuidado: Seu jogo "bem-me quer" tá zerado
Cuidado: que quem gosta de expor
Um dia em seu deleite azedo será revelado
Pequenos animais em seus habitats naturais
Gostam de contar vantagens
Lá vem você com essa papo de "fora patriarcado!"
É que a gente tem cada vez menos paciência
Pra sua postura de bom moço, é até afeminado
Sabe que eu não mando recado
Mas só queria lhe dizer:
O que é seu já tá guardado
Não sou eu que vai lhe dá

sábado, 24 de março de 2018

Junto

Goza junto comigo olhando no meu olho 
Respira alto seu desejo sem medo
Arrepia do cóccxi até o pescoço
Arranha, aperta, desmorona
O dia raiou no acalanto úmido 
que te deixei fazer morada
Bom dia 
Logo vem uma outra madrugada

quarta-feira, 21 de março de 2018

Fome

No final das contas ele só queria me comer
mas eu comi ele primeiro
com os olhos
com a boca
com a alma
com o mar

pedaço por pedaço
lambuzei-me
repeti
chupei até os ossos
repeti
não sobrou nada
sem indigestão

(Março, 2016)

Vila dos Confins

Na Vila dos Confins
Ilustro o bixo que me mordeu
Maria das Dores
Senhora do mundo
Iaiá despachada se interessara
por uma jóia de moço
Corpo pesado nas suas costas
Olhos morgados
de luz incandescente
Fumaça de cores
Na margem do rio urucunã
a chuvinha caia mansa
Impossível fixa-se numa idéia só
Vinha a suave sensação de leveza
Se afobe não
Tem certas coisas que a gente
tem que explicar com fraqueza
e sem tapear



(Setembro, 2016)

quinta-feira, 1 de março de 2018

Semente do Maracatu

No meu peito
Brotou antiga poesia
Transformou formas de viver
Semente do maracatu
Navegou
Germinou
No seio das mais velhas
Alimentou nações
Gente que não dorme
O couro ecoou
Leite divino derramou
Na cara dos caretas
Cena nova ei de cantar

Mulher Caranguejo

Entre as marés e o lixo dos homens
Procura suas raízes aéreas
Respira na superfície galáctica
Absorve o impacto das ondas maiores
Impede que o solo se esvaia sobre os
próprios pés
Amontoado de um corpo só
Erosão
De onde nasce os menores
Alimento da prece

Ádila

Versinho de agradecimento:
Minha princesa,
Você tem cor de rio
Cabelo macio
Coroa dourada
Armadura decorada de flor
Ervas amigas colhidas
Fumaça que limpa traquila
Umbigada que resiste
Caminhos
Carinhos
Nos
corações
Por onde passa
Arrasta
Rasga
Malícia pequena
Burburinho de desamor
Não tem vez
Não tem caô