segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O bolo de aipim de minha mãe


Passei o dia do são joão sem minha família, normal, todxs tinham viajado e eu só viajaria no dia seguinte. Senti falta de dançar forró, comer amendoim e em especial...comer o bolo de aipim de minha mãe (é o melhor que já comi na vida, sério). Para minha surpresa, cheguei em casa ontem e lá estava ele, coberto com um pano de prato, encima do fogão. Meus olhos brilharam, tipo desenho animado, fui logo pegando um pedação e a cada mordida fui pensando cá com meus botões o quanto aquele momento era recheado de memórias e quanto o simples ato de comer me fazia refletir e resgatar tantos sentimentos. Continuei pensando...lembrei de duas frases que dizem que " cozinhar é um ato revolucionário " e "cozinhar é uma forma de dizer eu te amo ". E num é que é verdade ? Minha mãe cozinhou a vida inteira para mim e meus dois irmãos, inclusive nos nutriu com seu leite (nosso primeiro alimento). Quando virei vegetariana a uns poucos anos atrás ela já fazia lentilha, ervilha e feijão com verduras e sem um pingo de carne (sim, também são os melhores que já comi!). Já conversei com ela que não precisa gastar tempo cozinhando nem pra mim, nem pra ninguém, afinal, somos crescidos e ela está terminando sua graduação em Artes Visuais e trabalhando. Não posso esquecer que meu pai, apesar de nunca ter sido chegado ao fogão, por questões evidentes de divisões de papéis de gênero (pai - ômi - trabalha o dia inteiro pro sustento; mãe - deixa sua carreira, vira dona de casa e cuida dos três filhos E de todos problemas da sua família), ele é responsável pelo café da manhã, compra raízes, frutas e verduras semanalmente aqui na quitanda da esquina. Quando durmo em casa acordo no outro dia com tudo pronto e de quebra com minhas frutas separadas num saquinho com guardanapo pra eu levar pra faculdade. Só porque comi o bolo de aipim de minha mãe pensei nisso tudo. Sabe que mais eu pensei? Que cozinhar, desde o tempo ancestral é uma atividade promovida e dominada por mulheres, mas que hoje existem muito mais homens com cargo de chefe de cozinha do que mulheres. Isso não é louco? Uma tarefa estruturante de nossas vidas e que mantém outras vidas é desvalorizada por tantos anos, mas só porque os homens decidiram cozinhar, ocupam os melhores cargos nessa profissão. Não quero terminar esse rascunho de pensamentos culinários indignada com mais uma manifestação machista da nossa nobre sociedade patriarcal, então, vou terminar pedindo a todas minhas amigas e amigos que se dizem feministas e pró-feministas, que acreditam na equidade e na emancipação das mulheres, que olhem a sua relação doméstica. Não adianta levantar mil bandeiras e ter um belíssimo discurso se não conseguimos observar nossa relação com nossas mães, se achamos que "ajudamos" na organização e manutenção do lar. NÃO! Não temos que ajudar, temos que FAZER, valorizar e retribuir imensamente qualquer ato de carinho e cuidado que vem delas. Eu estou no caminho, caminhando, ainda falta muito. Mesmo porque sempre fui revoltada por não poder ficar até tarde na rua brincando e conversando, mas ter a obrigação de fazer um pouco de tudo dentro de casa e meu irmão não. Então na minha cabecinha e na cabecinha de muitas crianças, fazer qualquer serviço doméstico é algo menor e meu irmão era privilegiado por minha mãe e por meu pai. Sem saber eu que saber cozinhar, limpar, organizar e cuidar de nós mesmas e de nosso lar (seja lá qual for e com quem for) é algo básico, importante e essencial para nossa sobrevivência na vida adulta. Por que se vc não faz isso, muito provavelmente uma mulher irá fazer por você.

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